A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCEDIMENTO
DO TRIBUNAL DO JÚRI
CAPÍTULO 1 – DO TRIBUNAL DO JÚRI E SUA HISTÓRIA
1.1 Noções introdutórias
Não há um consenso
doutrinário a respeito da origem do Tribunal do Júri. Alguns afirmam que este
tribunal surgiu na era mosaica, sob o fundamento de que o conselho de sentença
era formado pelos anciãos da época e que a pena não tinha limites. As únicas
exigências que se faziam era que se desse ampla publicidade ao fato para que
fosse abertamente discutido e que, as penas impostas, fossem de acordo com a
vontade de Deus.
Outra corrente de estudiosos, mais céticos, prefere
apontar nos áureos tempos de Roma o surgimento doJúri, com os seus judicesjurati. Também na Grécia antiga existia a
instituição dos diskatas, isso semmencionar os centenicomitesque
eram assim denominados entre os germânicos. Abordemos as maisimportantes. Na
Grécia, o sistema de órgãos julgadores era dividido basicamente em dois
importantesconselhos: a Helieia (julgava fatos de menor repercussão) e o
Areópago(responsável pelos homicídiospremeditados).
Atualmente, pelo que se conclui, o Tribunal do Júri como
adotado no Brasil tem sua origem, em verdade, na Inglaterra. Em decorrência da
própria aliança que Portugal sempre teve com a Inglaterra, em especial, depois
da guerra travada por Napoleão na Europa, quandoa família real veio para o
Brasil e com ela todos os costumes e seguimentos europeus que tinham.
Se não há uma certeza
absoluta sobre o real nascimento do Tribunal do Júri, muitas vezes por falta de
acervo sobre o assunto, ao menos de uma coisa podemos ter plenitude de
esclarecimentos a respeito do tema: O Tribunal do Júri é algo, hoje, impossível
de ser retirado do sistema jurídico nacional, e não somente por estar previsto
como cláusula pétrea, mais que isso, a própria sociedade tem “sede” de fazer
“justiça com as próprias mãos” e enxerga no Júri uma possibilidade de realizar
os seus anseios.
Segundo Fernando Capez:
O serviço do júri é
obrigatório, de modo que a recusa injustificada em servir-lhe constituirá crime
de desobediência. A escusa de consciência consiste na recusa do cidadão em
submeter-se a obrigação legal a todos imposta, por motivos de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política.[1]
1.2 História do Júri no Mundo e no Brasil
O
Júri, como supracitado, não apresentade forma clara a sua origem definida.
Sabe-se, porém, que após a Revolução Francesa de 1789, até mesmo pelo momento
que a França vivenciava, criou-se emseu ordenamento o Tribunal do Júri. Isto se
deu por conta de a França necessitar, naquele momento, de um novo sistema de
julgamento que não fosse pelos magistrados comuns, em sua maioria oriundos das
castas elevadas e que não gozavam de prestigio junto à massa da plebe.
Diante
de tal impasse, a França para amenizar possíveis conflitos adotou esta forma de
julgamento, que colocava nas mãos da própria sociedade a decisão sobre
determinadas condutas e infrações cometidas. A partir de então, o Tribunal do
Júri espalhou-se por quase toda Europa, exceto Dinamarca e Holanda.
No Brasil, o Júri teve sua origem em 18 de junho de 1822,
tendo sidoregulado por lei ordinária e era de sua competência o julgamento
exclusivo dos crimes de imprensa, sendo formado por vinte e quatro juízes de
fato que deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do Crime e a
requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como o Promotor e o
Fiscal dos Delitos. Os réus podiam recusar dezesseis dos vinte e quatro
nomeados, e só podiam apelar para a clemência real, pois só ao Príncipe cabia a
alteração da sentença proferida pelo Júri.
Em pesquisa, foi possível encontrar que, conforme Edneia
Bisinotto diz:
Com a Constituição Imperial de 1824, passou a
integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência
ampliada para julgar causas cíveis e criminais. Em 1832 foi disciplinado pelo
Código de processo Criminal, o qual conferiu-lhe ampla competência, só
restringida em 1842, com a entrada em vigor da lei n. 261.[2]
Em
1981, o Tribunal do Júri foi mantido conforme era na Constituição de 1832. Já
na Constituição de 1934 o Júri passou a integrar o Poder Judiciário, dizendo a
Carta Magna vigente que Lei determinaria sua competência.
Fato curioso ocorreu em 1937, com a promulgação da nova
Constituição, que no tocante ao instituto do Tribunal do Júri se manteve
silente. Diante disso houve muita divergência e especulação sobre uma suposta
extinção do Júri. Discussão essa que somente foi sanada com o advento da
primeira Lei de Processo Penal, o Decreto-lei n 167, em 05 de Janeiro de 1938,
instituindo e regulando o Júri.
Já na Constituição de 1946 o Tribunal do Júri retomou sua
soberania, sendo incluído como norma entre os direitos e garantias
constitucionais. Por sua vez, a Carta Magna de 1967 manteve o Júri e o incluiu
no capítulo de direitos e garantias individuais, no Artigo 150, §18, que assim
dispunha:
Art 150 - A Constituição
assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
...
§ 18 - São mantidas a
instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos
crimes dolosos contra a vida.[3]
Na atual Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 05 de Outubro de 1988, o Tribunal do Júri está estabelecido no
Art. 5º, inciso XXXVIII, e é Cláusula Pétrea por estar dentro do rol de
direitos e garantias fundamentais. Além da CRFB/88, o Código de Processo Penal disciplina
a matéria referente ao Júri nos seus artigos 406 à 497, ditando o rito a ser
seguido perante a instituição do Tribunal especial.
1.3 Princípios norteadores do Júri
Antes de dar definição a
qualquer princípio propriamente dito, faz-se necessário explanar o que vem a
ser, em síntese, princípio.
Princípio, em verdadeé,como melhor explica Nucci: "a
causa primária ou o elemento predominante na constituição de um todo
orgânico".[4]
1.3.1
Princípio
da Plenitude de Defesa
Este princípio, inerente
exclusivamente ao procedimento especial do Júri dá às partes, não somente o que
se vê nos procedimentos comuns, o que chamamos de Ampla Defesa. Com este
princípio, a CRFB/88 entrega às partes alargadoras formas de convencimento dos
jurados ao expressar em seu artigo 5º, XXXVIII, alínea “a” que, verbis;
Artigo 5º ...
...
XXXVIII – é
reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a)
a plenitude de defesa;[5]
No procedimento comum o réu
é amparado pela Ampla Defesa, estando sujeito apenas à defesa técnica[6].
Já no procedimento do júri, por termos como juízes pessoas comuns do povo e, em
sua larga maioria, leigas em direito e processo penal, admite-se não somente a
defesa chamada técnica, mas também qualquer tipo de tese que sirva para se
buscar os interesses do réu, exceto as vedações legais.
Com este princípio elencado
como direito e garantia fundamental, é possível valer-se a defesa, além dos
argumentos jurídicos, de argumentos emocionais, pessoais, artísticos,
religiosos, etc. Ou seja, a defesa se valerá de tudo o que estiver ao seu
alcance para buscar o melhor para a situação do réu no caso concreto.
Tendo em vista que o Tribunal do Júri éformado
por pessoas comuns do povo, como explanado anteriormente, a defesa do réu deve
se aproximar da perfeição, para o convencimento dos jurados. Vale
lembrar que no Tribunal Popular a decisão não é
fundamentada, vez que os jurados apenas votam, condenando ou absolvendo o
acusado. Ademais, como o Tribunal do Júri é soberano, suas decisões
não são passíveis de revista, quanto ao mérito, por tribunais togados.
Por tais razões, a necessidade da plena
defesa do réu quando se falar em Júri.
1.3.2 Princípio do Sigilo das
Votações
O Código de Processo Penal prevê em seu artigo
485 que não havendo dúvida a se esclarecer após a leitura e explicação dos
quesitos em plenário, "o juiz presidente, os jurados, o Ministério
Público, o assistente, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça
dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação".
Por algum tempo, inclusive, discutiu-se a
inconstitucionalidade da sala secreta, por entenderem os adeptos de tal
corrente que, ao se reunirem ali, feriria o princípio da publicidade dos atos.
Ocorre que, por esmagadora maioria na doutrina e jurisprudência consolidada,
reconheceu-se a constitucionalidade de tal ato por prever a Carta Magna a
possibilidade de se limitar a publicidade de atos processuais quando assim
exigirem a defesa da intimidade ou o interesse social ou público.
Ora, há de se justificar também que, embora a
sala seja secreta, a publicidade do ato não é tão secreta assim, haja vista
acompanharem os jurados tanto a acusação como a defesa, além do juiz presidente
e funcionários do Poder Judiciário.
A
instalação da sala secreta se faz necessária também para garantir que os
jurados não ficarão intimidados com o réu, sua família ou até mesmo a família
da vítima, por uma condenação ou absolvição.
Essa
segurança em não se ver ameaçado, o jurado teve ainda maior respaldo com o
advento da Lei 11.689/2008, que reformou o Código de Processo Penal e
introduziu que não poderíamos mais ter votações unânimes pelo Conselho de
Sentença, pois com a unanimidade estaria ferido de morte o princípio em
comento, trazendo em seu bojo que abertos 04 votos para condenação ou
absolvição em qualquer quesito, os demais serão descartados, pois não haveria
mais chance de reversão da decisão.
1.3.3 Princípio da Soberania
dos Veredictos
Como bem
escreve a letra da alínea “c” do inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição
Federal, os veredictos proferidos
pelos juízes leigos comuns do povo integrantes do Conselho de Sentença são
soberanos, não podendo, portanto serem mudados em seu mérito por Tribunal de
segunda instância.
Embora isto
seja cediço na doutrina e na letra da lei, muitos Tribunais têm se mantido
irresignados com tal princípio de ordem constitucional e, arbitrária e
ilegalmente, mudado decisões proferidas pelo Tribunal do Júri.Valem-se os
juízes, por vezes, da aplicação de jurisprudência da Corte onde exercem suas
funções. No entanto, esquecem eles que os jurados são juízes leigos, que não
têm o dever de conhecer as jurisprudências predominantes nos tribunais.
Com tal
atitude, os Tribunais de 2ª instância mitigam um princípio constitucional e
geram fragilidade à CRFB e ao âmago da sociedade, haja vista se vê a Carta
Magna sendo descumprida por quem, em verdade, deveria zelar por sua correta
aplicação.
Tourinho Filho
argumenta que:
Júri sem um mínimo de soberania é corpo sem alma, instituição
inútil. Que
vantagem teria o cidadão de ser julgado pelo tribunal popular
se as decisões deste não tivessem um mínimo de soberania? Porque o legislador
constituinte esculpiu a instituição do Júri no capítulo pertinente aos direitos
e garantias individuais? Qual seria a garantia? A de ser julgado pelos seus
pares? Que diferença haveria em ser julgado pelo Juiz togado ou pelo Tribunal
leigo? Se o tribunal ad quem, por meio de recurso, examinando as
quaestionesfacti e as quaestiones júris, pudesse como juízo rescisório,
proferir a decisão adequada, para manter o júri. O legislador constituinte
entregou o julgamento ao povo, completamente desligado das filigranas do direito
criminal e das súmulas e repositórios jurisprudenciais, para que pudesse
decidir com a sua sensibilidade, equilíbrio e independência, longe do princípio
segundo o qual o que não está nos autos não existe.[7]
O Código de
Processo Penal orienta e faz com que os jurados firmem juramento de decidirem
conforme sua consciência, havendo no caso concreto, soluções próprias e
adequadas para caso de erro do Júri, onde caberá recurso de apelação e a
depender do vício, será remetido o réu a um novo conselho de sentença, sendo
inadmissível a reforma da parte de mérito pelo tribunal ad quem.
1.4 Competência do Tribunal
do Júri.
O Código
Penal elenca quais crimes serão de competência para julgamento do Tribunal do
Júri. Com base no que diz a CRFB em seu Art. 5º, XXXVIII, vemos os artigos do
CP que se enquadram na norma supra legal, a saber:
Homicídio simples
Art 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de
relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em
seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto
a um terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro
motivo torpe;
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia,
tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou
outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um
terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte
ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não
procura diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em
flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o
crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60
(sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar
de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente
de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela
Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
§ 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço
de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de
2012)
Induzimento, instigação ou
auxílio a suicídio
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou
prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se
consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta
lesão corporal de natureza grave.
Parágrafo único - A pena é duplicada:
Aumento de pena
I - se o crime é praticado por motivo egoístico;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer
causa, a capacidade de resistência.
Infanticídio
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o
próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
Aborto provocado pela
gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que
outrem lho provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por
terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a
gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o
consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são
aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados
para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido
de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Constata-se
então que os crimes que estão a cargo de julgamento pelo Tribunal do Júri são:
homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e
aborto, todos em sua forma consumada ou tentada.
Além
destes, os crimes conexos àqueles também serão avocados pelo Tribunal do Júri,
ainda que não sejam, originariamente, de sua competência, conforme nos dispõe o
artigo , 78, I, do CPP.
2.1 Surgimento
da mídia e o direito de Informação
Conclui-se que o primeiro
vestígio da imprensa no Brasil esteja relacionado com a chegada da Corte Portuguesa
em 1808, com a Imprensa Régia. A partir de 10 de setembro de 1808, passa a sair
a Gazeta do Rio de Janeiro, na Impressão Régia então recém-instalada no
território do Novo Mundo, com a chegada da Corte Portuguesa.
Segundo Tânia de Lucca:
O
surgimento propriamente da imprensa no Brasil ocorre em 1808. Já no seu
primeiro número, junho desse ano, o Correio Brasiliense, referia-se ao Brasil
com Império e tornava-se pioneiro em trazer tal denominação para a imprensa.
Mas não
era o
criador isolado dessa fórmula, que não tinha caráter premonitório. Hipólito da
Costa, redator desse periódico em Londres (onde foram redigidos outros jornais
em português), expressava ampla articulação política [...][8]
A Constituição Federal
assegura em seu artigo 5º, IX, o direito à livre manifestação de pensamento e
de prestação de informação, independente de censura ou licença. Com tal direito
incluído entre as garantias e direitos fundamentais, a imprensa ao utilizar-se de tal, origina a
hoje bem conhecida liberdade de imprensa, que é baluarte da democracia.
2.2
Liberdade de Imprensa versus
Condenação Antecipada
Não são raras as vezes em
que nos deparamos com um caso onde o cidadão foi apenas indiciado como suposto
agente executor de um crime e, de forma imediata, a mídia em seus diversos
meios de propagação, já fazem seu próprio juízo e “condenam” o mero suspeito,
levando-o a um patamar onde a reversão deste quadro torna-se absurdamente
difícil.
“Crimes dolosos contra a vida, via de regra têm atraído o
sensacionalismo da mídia,induzindo muitas vezes o Conselho de Sentença a fazer
valer a opinião pública em detrimento de sua livre convicção.” [9]
Por conta de tal exposição midiática a que o procedimento
especial do Júri recebe, acabamos tendo um processo onde o que mais vale nem
sempre serão as provas trazidas aos autos do processo, mas sim todas as
especulações que a mídia, em sua maioria sem fundamento, fez os cidadãos
acreditarem como verdade real.
E esta máxima, prejudica o descrito no artigo 472 do CPP,
verbis:
Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o
presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a
seguinte exortação:
Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os
ditames da justiça.
Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:
Assim o
prometo.
(g.n[10]
Nas
palavras de Coelho:
O Tribunal do Júri pretende ser uma forma
democrática de cidadania, como se assim fosse uma fórmula de distribuição da
justiça feita pelos próprios integrantes do povo, voltada mais à justiça do
caso concreto do que à aplicação da mesma justiça a partir de normas jurídicas
de grande abstração e generalidade. No entanto, estas características não se
verificam de modo pleno neste instituto jurídico, que se torna frágil ao
deparar-se com uma significativa e relevante influência dos meios de
comunicação nos julgamentos que profere mediante o voto dos jurados. Estes
cidadãos comuns são recepcionados por informações construídas com base em juízo
de valores que integram a identidade cultural do indivíduo e do contexto social
em que vive. O resultado desse processo é o impedimento de um julgamento justo
e legal para o réu, pois decorre prévia formação de opinião capaz de influir na
atuação da acusação e defesa em plenário.[11]
Diante disto, vemos que há uma evidente colisão entre
dois princípios constitucionalmente garantidos; Liberdade de Expressão e
Presunção de Inocência. Com tanta informação veiculada, jurados leigos,
sentimentos comovidos naturalmente pela compaixão com a vítima e sua família e
grandes “atores” em um plenário, fica no ar uma dúvida que dificilmente será
sanada com o atual modelo de julgamento dos crimes dolosos contra a vida: Como
evitar um julgamento potencialmente injusto sem mitigar a liberdade adquirida
ao longo dos anos pela mídia?
CAPÍTULO 3 – CASOS ATUAIS COM VASTA INFLUÊNCIA
Neste momento, abordaremos aqui casos
que ganharam repercussão nacional por envolver brutalidade ou pessoas famosas
como parte de uma empreitada criminosa.
Tais réus dos casos descritos abaixo
acabaram sendo condenados pelo Tribuinal do Júri mas, antes mesmo da prolação
da sentença, todos eles já haviam sido condenados pelos veículos de comunicação
pertencentes à mídia.
3.1 Caso Suzana Richthofen e irmãos Cravinhos
O Caso Richthofen é um processo movido pelo MPF
(Ministério Público Federal) contra a ré Suzane Louise vonRichthofen e os
irmãos Cravinhos: Daniel Cravinhos e Christian Cravinhos.
O caso ocorreu em 2002 e ganhou grande repercussão na
mídia nacional por ter sido arquitetado pela própria filha do casal
assassinado, visando a obtenção da herança, eis que era uma família de classe
alta.
Suzane conheceu Daniel em 1999, através de seu irmão
Andreas Richthofen, que se apaixonou pelo aeromodelismo quando viu Daniel praticando
o esporte.
Os pais de Suzane, o engenheiro Manfred Albert FreiherrvonRichthofen
e a psiquiatra MarísiavonRichthofen, de começo não interferiam no namoro da
filha com Daniel, pois achavam que seria algo passageiro.
Com o passar do tempo e com o descobrimento do
envolvimento de Daniel com drogas, os pais de Suzane resolveram definitivamente
proibir o namoro. Mas nada adiantou pois Suzane e Daniel continuavam namorando,
o que por diversas vezes gerou brigas e discussões entre o Manfred e Daniel.
O crime bárbaro em tela foi cometido, segundo narram os
autos do processo, em 31/10/2002 e os condenados pelo crime foram exatamente
Suzane (filha do casal), Daniel Cravinhos (namorado de Suzane) e Cristian
Cravinhos (irmão de Daniel).
Suzane e os Cravinhos, dias antes do crime, fizeram um
teste para verificarem o barulho causado pelos disparos de uma arma de fogo e
com isso descartaram a ideia de utilizar uma.
No dia do crime, Suzane e Daniel ainda tentavam convencer
Cristian à participar do evento criminoso, conforme se vê:
Na tarde de 31 de outubro de 2002, Suzane e
Daniel Cravinhos repassaram pela última vez os planos do assassinato dos pais
da moça. Conversaram com Cristian, que morava na casa da avó, e Cristian, ainda
relutante, não deu a certeza de que participaria nos eventos que se seguiriam à
noite. Daniel pediu que o irmão pensasse a respeito e,se resolvesse ajudá-los,
que os esperasse em uma dada rua, próxima a um Cyber Café aonde levariam
Andreas. Naquela, o irmão de Suzane, Andreas, na ocasião com 15 anos, foi
tirado de casa. Foi levado pela garota e pelo namorado dela para um Cyber Café
(Lan House), ele foi seduzido pela ideia de que no aniversário de namoro da
irmã a comemoração do casal seria em um motel, e a dele seria na LAN House, e
que Suzane iria convencer seus pais a deixar o irmão faltar a escola no próximo
dia.[12]
Conta ainda o site
que:
Por volta da meia-noite, eles estacionaram o
carro na garagem. Segundo a polícia, no carro já estavam às barras de ferro,
ocas, que foram utilizadas no assassinato. Os rapazes vestiram blusas e
meias-calças para evitar que caíssem pêlos pela casa, material que poderia ser
usado pela polícia para provar o crime. Suzane subiu as escadas e acendeu a luz
do corredor, para que os irmãos tivessem visão do quarto do casal. Marísia e
Manfred dormiam. A estudante separou sacos de lixo e luvas cirúrgicas, que eram
utilizadas pela mãe, psiquiatra.[13]
Foi divulgado uma parte do
depoimento de Suzane logo após ser presa, onde ela diz:
"Chegamos em casa, eu entrei e fui até o
quarto dos meus pais. Eles estavam dormindo. Aí, eu desci, acendi a luz efalei
que eles podiam ir. Fiquei sentada no sofá, com a mão no ouvido. Eu não queria
mais que meus pais morressem.Mas aí eu percebi que não tinha mais o que fazer,
que já era muito tarde", confessou Suzane no depoimento após serdetida.[14]
O plano do casal para se livrar dos pais de Suzane,
segundo um dos policiais que foi até o local após ligação de Daniel, onde
tentavam forjar que houvera um assalto na mansão, foi de amadores, eis que
deixaram várias joias e uma arma no local.
A mídia, no caso Richthofen, exerceu grande poderio de
convencimento em toda a população nacional e internacional. Por mais brilhante
que fosse o advogado de defesa dos agentes do crime, jamais conseguiria uma
absolvição para os envolvidos, haja vista ter sido sua presunção de inocência
mitigada pelos noticiários de TV, rádio, jornais e revistas, onde desde o
início das investigações policiais, já os condenavam.
Como prova do poder da mídia, vemos que até o advogado de
defesa tenta se valer desta ferramenta para buscar um jeito de convencer a
população da inocência de sua cliente, como vemos o que foi noticiado no site Terra:
De mãos dadas com
Barni, Suzane disse que se arrepende muito do seu relacionamento com Daniel
Cravinhos, seu namorado na época em que seus pais foram assassinados, e que foi
manipulada. "(Ele) sempre me mandava usar muita droga. Me dava cada vez
mais droga, isso foi acabando comigo. 'Se você me ama usa. Se me ama faz isso.'
E eu ia, ia, ia", relatou a jovem.
A segunda entrevista
foi gravada em Itirapina, na casa de amigos. Os jornalistas do programa
mantiveram o microfone de Suzane ativado e, por meio dele, puderam ouvir
primeiro o advogado DenivaldoBarni Júnior e depois uma voz, que de acordo com a
análise de um perito seria de Mário Sérgio de Oliveira, dando orientações para
a jovem. Oliveira teria instruído Suzane a chorar e dizer que foi manipulada
por Daniel Cravinhos, além de dizer para ela interromper a gravação e afirmar
que ela sofria demais com a situação.
"Acabou. Mais
nada. Começa a chorar, fala: 'Não quero falar mais. O que ele mandava, sempre
dizendo que se o amasse era para fazer. E pelo amor de Deus, nunca mais, que me
faz muito mal. E chega.'", disse a voz que seria de Oliveira. Suzane
seguiu as orientações e encerrou a reportagem.[15]
O julgamento dos três réus foi marcado para o dia 5 de
junho de 2006 no 1º Tribunal do Júri de São Paulo.A imprensa não obteve
permissão de filmar, mas cerca de 80 pessoas foram sorteadas (numa lista de 3
mil inscritos)para acompanhar o julgamento. Suzane vonRichthofen chegou ao
Fórum por volta das 11:30 horas. Os irmãos Cravinhos chegaram um pouco mais
cedo, uma hora antes. O julgamento estava previsto para começar às 13h.
As defesas dos réus usaram de uma estratégia para adiar o
Júri:
Os advogados dos irmãos Cravinhos, Geraldo e
DivaineJabur — alegando que não conseguiram se encontrar com seus clientes para
melhor preparar a defesa — não compareceram ao júri.
Com a ausência dos advogados dos Cravinhos, o
julgamento dos irmãos foi cancelado.
Na sequência, após os advogados de Suzane se
retirarem do plenário, — depois de uma discussão com o juiz quanto ao fato de
uma testemunha imprescindível não ter comparecido; o júri dela também foi
adiado.[16]
Com o que feito no primeiro Júri, o juiz da causa
preveniu-se para evitar manobras da defesa para tentar adiar novamente o
procedimento do Júri.
É como se vê:
Com o intuito de evitar novo adiamento, o
juiz do caso tomou algumas precauções, como autorizar encontro entre os irmãos
Cravinhos e um de seus advogados no fim de junho de 2006, e nomear um defensor
público (e até um substituto para este último) para defender os irmãos, caso
seus advogados novamente faltem. Possíveis manobras da defesa de Suzane não eram
esperadas, já que ela não tinha mais o benefício de prisão domiciliar. Um novo
julgamento foi marcado para segunda-feira, 17 de julho de 2006. A sentença foi
proferida na madrugada de sábado, 22 de julho, às 02 a.m.[17]
Após todos os trabalhos onde acusação e defesa
sustentaram suas teses, enfim a sentença foi prolatada pelo juiz com base na
decisão do conselho de sentença.
Como já era de se esperar, de acordo com a “condenação”
midiática realizada, tanto Suzane como os irmãos Cravinhos foram condenados no
processo. Não apenas pela mídia, mas também por ela, haja vista haver no
processo provasque puderam levar o conselho de sentença a proferir a decisão de
condenação, dentre elas a própria confissão de Suzane.
O Tribunal do Júri condenou Suzane vonRichthofen e Daniel
Cravinhos a 39 anos de reclusão, mais seis meses de detenção, pelo assassinato
do engenheiro Manfred e da psiquiatra Marísia von Richthofen, mortos a pauladas
no dia 31 de outubro de 2002, na residência deles, no bairro nobre do Brooklin,
em São Paulo. A pena-base foi de 16 anos, mais 04 pelos agravantes, para cada
uma das mortes. Ambos tiveram sua pena reduzida em um ano; Suzane por ser à
época menor de 21 anos, e Daniel, graças à confissão. Já Christian Cravinhos
foi condenado a 38 anos de reclusão, mais seis meses de detenção. Sua pena-base
foi de 15 anos, mais 04 pelos agravantes, também para cada uma das mortes. Ele
também teve sua pena reduzida em um ano por ter confessado o crime.
3.2 Caso Mércia Nakashima
Mércia Mikie Nakashima era uma advogada brasileira, com
ascendência japonesa, filha de Janete Nakashima e Macoto Nakashima.
Ela era ex-namorada e ex-sócia de Mizael Bispo, principal
suspeito do crime que foi condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de
Guarulhos-SP em 20 anos de reclusão.
Conforme foi publicado no
site Globo.com:
Mércia foi vista pela
última vez viva em 23 de maio de 2010, após sair da casa dos pais em Guarulhos, na Grande São Paulo. Preocupados por não receberem
notícia da advogada, parentes iniciaram as buscas por conta própria. A ausência
de resultados fez com que registrassem o desaparecimento na Polícia Civil.
Policiais do
Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) começaram a investigar e
ouviram, entre outros, Mizael. Ele foi até a sede do órgão, no Centro de São
Paulo, dias após o sumiço, mas saiu rapidamente sem dar sua versão. Ele chegou
a esquecer um documento de identidade no edifício. A pressa chamou a atenção
dos investigadores.
Em 31 de maio, o
ex-PM foi novamente chamado para depor. Dessa vez preferiu conversar com os
policiais civis: contou que não sabia o que havia acontecido com Mércia e que,
no dia e na hora em que a ex-namorada desapareceu, estava com uma prostituta em
Guarulhos. A garota de programa nunca apareceu.[18]
Mesmo tendo desaparecido dia 23 de maio de 2010, Mércia
somente oi encontrada em 11 de junho, ou seja, 19 dias após seu
desaparecimento. O que com toda certeza fez com que o corpo da advogada já
estivesse bem inchado e deteriorado, tendo sido identificado tão somente pela
roupa, sapatos e formato dos dedos. Motivo pelo qual, inclusive, não se pode
abrir o caixão em seu velório e sepultamento, que ocorreu no dia seguinte.
O júri do caso Mércia foi totalmente liberado para
filmagem e divulgação na íntegra em qualquer meio de comunicação, em decisão
inédita do Tribunal de Justiça de São Paulo.
É como se vê abaixo:
Em 15 de março de 2013, após quatro dias de
juri, que contou com comunicação audiovisual na íntegra, Mizael Bispo de Souza
foi condenado a 20 anos de reclusão pela morte de Mércia Nakashima, em regime
inicial fechado. Porém o advogado de acusação Alexandre de Sá, recorrerá, por
achar a pena branda, onde desses 20 anos, apenas 7 anos o condenado Mizael
Bispo pagará em regime fechado, onde 1 ano ele já pagou, após mediante ao
comportamento, poderá pagar em regime semi-aberto, podendo sair de dia e voltar
apenas para dormir na cadeia. A família e advogado recorrerão para que suba
para no mínimo 25 anos de pena.[19]
O caso gerou grande repercussão nacional, os suspeitos foram
seu ex-namorado Mizael Bispo, ex-policial militar e advogado de 40 anos, e o
colega dele, o vigilante Evandro Bezerra Silva, de 38 anos, pelo suposto
envolvimento no homicídio.Foi um julgamento histórico, pois foi o primeiro
julgamento televisionado,transmitido ao vivo, na historia do país.
Como não podia deixar de ser, neste caso de grande
repercussão nacional, a mídiaa todo momento afirmava publicamente suas próprias
certezas no sentido de que seriam mesmo os acusados responsáveis pelo crime.
Por tal motivo, mais uma vez fica a dúvida a pairar em
nossas mentes: “O que é mais importante? O direito de informação da sociedade
ou um julgamento justo para não levarmos inocentes ao cárcere nacional?”
3.3 Caso Isabella Nardoni
O caso Isabella Nardoni refere-se à morte da menina
brasileira Isabella de Oliveira Nardoni, de cinco anos de idade,arremessada do
sexto andar do Edifício London no
distrito da Vila Guilherme, em São Paulo, na noite dodia 29 de março de 2008.
O caso gerou grande repercussão no Brasil e Alexandre
Nardoni e Anna Carolina Jatobá, respectivamente pai e madrastada criança, foram
condenados por homicídio doloso qualificado (art. 121, § 2°, incisos III, IV e
V), e vãocumprir pena de 31 anos, 01 mês e 10 dias, no caso dele, com
agravantes pelo fato de Isabella ser sua descendente, e 26anos e 08 meses de
reclusão no caso de Anna Jatobá, ficando caracterizado como crime hediondo. A
decisão foi proferida pelo Juiz Maurício Fossen, no Fórum de Santana em São
Paulo.
O caso teve forte repercussão no Brasil, nos
dias 30 e 31 de março. Em meio da repercussão, o pai da criança afirmou à
polícia no dia 30, que ela havia ficado sozinha no quarto enquanto ele foi
buscar os outros filhos. No mesmo dia, a emissora de TV de notícias Globo News
revela que a polícia descartou a possibilidade de acidente na morte de
Isabella. Segundo um delegado titular da polícia sangue foi encontrado no
quarto e um buraco na tela de proteção de uma janela reforçam as suspeitas da
polícia de homicídio. A perícia feita pela Polícia Técnico- científica no
domingo, diz que a rede de proteção da sacada, foi cortada propositalmente, só
que no quarto dos irmãos da Isabella e não no quarto em que ela foi colocada
para dormir. No entanto, uma rádio afirmou que o pai disse à polícia que a
menina foi jogada por um assaltante.[20]
No dia 1º de abril, o jornal Folha de S. Paulo publicou
que os primeiros laudos do Instituto Médico Legal apontavamindícios de asfixia
anteriores à queda da menina. Os legistas teriam duvidado até mesmo de que a
menina tivesse caído porconta do baixo número de fraturas em seu corpo.
À época dos fatos, os advogados do casal chegaram até a
pedir à imprensa que poupassem o casal para evitar sofrimento, visando eles,
logicamente, que uma exposição ainda maior na mídia tornaria a defesa muito
mais complicada.
É o que vemos nesse trecho retirado do site Terra.com:
"(A
perda das chaves) é um fato novo que não vejo problema de tornar público",
disse o advogado Rogério Neres de Sousa. Os advogados disseram que cabe à
polícia apontar provas que incriminem seus clientes e não a eles.
Os advogados
estiveram por cerca de três horas no 9º Distrito Policial. Eles pediram à
imprensa para que poupem o pai e a madrasta, pois eles estariam "sofrendo
muito e poderiam sofrer ainda mais" com o assédio.[21]
Em entrevista ao programa da Rede Globo Fantástico, a mãe
de Isabella deu a seguinte declaração;
Ana Carolina Oliveira disse ao programa
Fantástico: "Eu e ele (Alexandre), tínhamos uma relação distante. Mas ela
(Isabella) tinha um amor incondicional por esse pai", disse,acrescentando
que a menina de cinco anos nunca falou mal do pai. ”Nunca Isabella deu algum
sinal, e nunca falou nada sobre o pai. Eu não sei o que aconteceu aquele dia.
Fico muito triste em saber que minha filha sofreu, mas o que aconteceu a gente
ainda vai descobrir."[22]
Ainda
segundo a imprensa on-line:
Provas testemunhais dão conta de que na noite
da morte da garota Isabella Nardoni, houve severa discussão entre o casal e que
aos gritos, a criança expressou "Pára… pai. Pára.. pai", como se
estivesse chamando-o para defendê-la. O caso policial tramitava em segredo de
justiça até o dia 7 de abril de 2008, quando o juiz Maurício Fossen, o mesmo
que o decretara, revogou-o. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo,
Fossen tomou a decisão após o promotor Francisco Cembranelli ter revelado
alguns detalhes à imprensa na sexta-feira, 4 de abril.[23]
Os advogados do casal Nardoni protocolizaram na tarde do
dia 16 de maio um habeas corpus com
pedido de liminar. No mesmo dia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu
a liminar por entender que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo estava
correta, sendo mantida com isso a prisão preventiva do casal.
O caso da menina Isabella gerou tamanha comoção social
que várias foram as manifestações de populares pela condenação do casal. Muito
desta comoção se deu pelo fato de ter sido um crime praticado contra criança e,
mais ainda, por ter sido um caso que foi amplamente veiculado na mídia. Apesar da brutalidade do crime,
e da fragilidade crassa da vítima, cabe analisar a questão se os acontecimentos
seriam os mesmos, se a imprensa apenas informasse os fatos, sem apelos
emocionais.
Muniz Sodré, salientando a atuação ampla da mídia sobre o
julgamento do casoNardoni, ressalta e aponta uma característica particular
dessa atuação: a falta de “escuta das vozes favoráveis”, como ele mesmo chama,
ao casal suspeito. E acrescenta:
Mídia não é, porém, tribunal do júri.
Cabe-lhe expor os fatos e as diligências em curso, mas sem julgar, a despeito
do que possa parecer evidente aos olhos de todos. Seria adequadamente
jornalístico que se ouvissem as falas de membros das famílias dos acusados,
como pai, irmão etc. Daí poderá surgir algo capaz de jogar alguma luz
socialmente útil ao conhecimento das distorções perversas da consciência,
daquilo que, no português quinhentista, se chamava de maleza.[24]
O caso também teve
repercussão no exterior, com alguns artigos. No Reino Unido foram publicadas
algumas notícias pela BBC. O periódico francês Le Monde escreveu um artigo intitulado "Sorriso de Isabella assombra o
Brasil."
No início de 2009, três desembargadores da 4ª
Câmara Criminal do TJ decidiram por unanimidade que o casal Alexandre Nardoni e
Anna Carolina Jatobá seria levado a júri popular. O primeiro dia de julgamento
ocorreu em 22 de março de 2010, cerca de dois anos após a morte de Isabella. O
júri foi formado por quatro mulheres e três homens. Defesa e acusação contaram
com dezesseis testemunhas no total, sendo onze de defesa, duas de acusação e
três em comum. Outras sete testemunhas foram dispensadas. Após cinco dias de
julgamento, o juiz Maurício Fossen fez o pronunciamento, que foi transmitido
por diversas redes de televisão ao vivo, somente através de locução.[25]
Com a vasta influência da
mídia e a combinação de provas existentes, ocorreu o que já se esperava, a
condenação do casal.
Após cinco dias
de julgamento, o juiz fez o pronunciamento, que foi transmitido ao vivo,
somente através de locução. O júri
considerou o casal culpado por homicídio
triplamente qualificado (pela menina
ter sido asfixiada, considerado meio cruel,
não ter tido chance de defesa, por estar inconsciente ao cair da janela, e por alteração do local do crime ) e fraude
processual. Alexandre Nardoni foi condenado a 31
anos, 1 mês e 10 dias - pelo agravante de ser pai de Isabella - e Anna Carolina
Jatobá, a 26 anos e 8 meses, emregime fechado.
Pela fraude processual, devem cumprir 8 meses e 24 dias, em regime semi-aberto. Por decisão
do juiz, eles não poderão recorrer da sentença em liberdade, para garantia da
ordem pública.[26]
Por todo o
exposto, revela-se de grande relevância e atualidade a discussão acerca da influência
midiática em procedimentos criminais, com ênfase total no procedimento do
Tribunal do Júri, haja vista ser este o procedimento em que se tem pessoas
comuns do povo como julgadores, não necessitando tais de conhecimento técnico
para sua decisão, bastando seu livre convencimento.
Como
bem visto nas páginas deste trabalho, não são poucos os casos em que a mídia,
com seu direito de informação, acaba impregnando asociedade com um pré-conceito
o que acarreta em uma pré-avaliação do crime supostamente cometido pelos réus
denunciados no processo criminal.
Abre-se
então a ampla discussão presente em doutrinas, jurisprudência, faculdades,
cursos e, inclusive, debates jurídicos a respeito do tema, onde é discutido a
questão dos princípios constitucionais do direito a informação e liberdade de
expressão frente ao da presunção de inocência, haja vista aquele mitigar a este
quando trata-se de crime submetido ao procedimento especial do Júri.
Não
podemos abster-nos de dizer que, a influência exercida pela mídia no
convencimento dos juízes leigos comuns do povo, em sua maioria, torna-se
prejudicial à defesa dos interesses do réu, haja vista buscarem a melhor
notícia para estampar a capa do jornal ou a chamada do noticiário, não demonstrando compromisso
com a verdade real dos fatos.
A violação de garantias
fundamentais dos envolvidos no crime, a manipulação dos fatos e os
pré-julgamentos impostos pelos noticiários sensacionalistas demonstra que,
ainda que a mídia e o jornalismo cumpram um objetivo essencial em um Estado
Democrático de Direito – além do dever de informar inerente à imprensa livre,
também contribui ativamente para o ato de pensar e criticar, dando uma
perspectiva fundada na razão em busca de necessárias mudanças na sociedade –
ela deve, acima de tudo, atuar de forma honesta, séria e responsável,
repensando sobre o seu verdadeiro papel, voltando-se para o bem-estar coletivo
e não para atender interesses particulares, contribuindo para a construção da
verdadeira justiça social.
No mais, certo é que deve o legislador buscar meios de
blindar a presunção de inocência do acusado sem mitigar o direito à informação
e de livre expressão da mídia, seja ela qual for.
REFERÊNCIAS
[1]CAPEZ, Fernando. Curso de processo
penal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 671
[2]BISINOTTO. Edneia Freitas Gomes. Origem,
história, principiologia e competência do tribunal do júri. Disponível em: <
http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3851>. Acesso em 12 fev. 2014.
[3]BRASIL. Constituição Federal de 1967.
Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10606785/paragrafo-18-artigo-150-da-constituicao-federal-de-1967>
Acesso em 12 fev. 2014.
[4]NUCCI,
Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.p. 43
[5]BRASIL. Constituição da República Federativa
do Brasil de 05 de outubro de 1988. 15ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT,
2013.
[6]
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal.
8ª ed. rev. ampl. e atual. Niterói-RJ: Impetus, 2011. p. 56.
[7]
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 24ed. rev. aum. e
atual. São Paulo:
Saraiva, 2002. p.246
[8]MARTINS, A. L; Luca, T. R. História da
Imprensa no Brasil. São Paulo, SP: Contexto, 2008. p.30
[9]PRATES, Flávio Cruz;
TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influência da mídia nas decisões do
conselho de sentença. Direito &
Justiça, Porto Alegre, Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/view/5167>
. Acesso em 12 fev. 2014.
[10]
BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro: Vigente a partir de 03 de outubro
de 1941. Disponível em:
<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>.
Acesso em: 17 fev. 2014.
[11]COELHO, Carina
Ribeiro. Tribunal do Júri e Mídia. Disponível em: <http://www.artigonal.com/direitoartigos/tribunal-do-juri-e-midia-3666329.html.>.
Acesso em 17fev.2014.
[12]RICHTHOFEN, Caso. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Richthofen>.
Acesso em 18 fev. 2014.
[13]RICHTHOFEN, Caso. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Richthofen>.
Acesso em 18 fev. 2014.
[14]RICHTHOFEN, O Caso. Disponível em <http://www.abril.com.br/pagina/storyboard_caso_richthofen.shtml>.
Acesso em 18 fev. 2014.
[15]RICHTHOFEN, O Caso. Disponível em:
<http://noticias.terra.com.br/brasil/casorichthofen/interna/0OI957594EI6792,00TV+mostra+Suzane+von+Richthofen+armando+entrevista.html>.
Acesso em 18 fev. 2014.
[16]RICHTHOFEN, Caso. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Richthofen>.
Acesso em 18 fev. 2
014.
[17]RICHTHOFEN, Caso. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Richthofen>.
Acesso em 18 fev. 2014.
[18]NAKASHIMA, Entenda o caso Mércia.
Disponível em <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/03/entenda-o-caso-mercia-nakashima.html>.
Acesso em 27 fev. 2014.
[19]NAKASHIMA, Caso Mércia. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_M%C3%A9rcia_Nakashima>. Acesso
em 27 fev. 2014.
[20]NARDONI, Caso Isabela. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Isabella_Nardoni>. Acesso em 11mar.
2014.
[21] ISABELA, Caso: madrasta perdeu chave, diz advogado:
Disponível em <http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2722422-EI5030,00.html>.
Acesso em 11 de mar. 2014.
[22] NARDONI, Caso Isabela. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Isabella_Nardoni>. Acesso em 11 mar.
2014.
[23] ISABELA, Juiz revoga sigilo em
inquérito sobre morte de. Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2008/04/389741-juiz-revoga-sigilo-em-inquerito-sobre-morte-de-isabella.shtml>.
Acesso em 11 de mar. 2014
[24]SODRÉ, Muniz. Sobre as vozes do
espanto. Observatório da Imprensa, ed. 583, 30 de março de 2010. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/sobre_as_vozes_do_espanto>.
Acesso em 11 mar. 2014.
[25]NARDONI, Caso Isabela. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Isabella_Nardoni>. Acesso em 11 mar.
2014.
[26]
NARDONI. Caso. Disponível em
<http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2010/03/27/casal-nardoni-e-condenado.jhtm>. Acesso em 11 mar. 2014.
Por Ligekson Monteiro
Advogado
OAB/RJ 188.091
Obrigado a todos do GAJ pelo prestígio de sempre. Estamos juntos por um mundo jurídico melhor para todos. #NoAdvogadoEuConfio
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