quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Dano moral pelo envio de cartão de crédito sem solicitação do consumidor

O envio de cartão de crédito não solicitado constitui ato ilícito porque viola o art. 39, III, do CDC, dando ensejo à indenização por danos morais, bem como à condenação da instituição financeira ao pagamento multa administrativa imputada pelos órgãos de defesa do consumidor.
Resumo: O presente artigo examina a nova Súmula 532 do STJ, verbis: "Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa.”

De acordo com o Código Consumerista, constitui prática abusiva enviar ao consumidor, sem solicitação previa, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço, nos termos do art. 39, III, do CDC, verbis:
CDC. Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho:[1]
“De maneira concisa, práticas abusivas são ações ou condutas dos fornecedor em desconformidade com os padrões de boa conduta nas relações de consumo. São práticas que no exercício da atividade empresarial excedem os limites dos bons costumes comerciais e, principalmente, da boa-fé, pelo que caracterizam o abuso de direito, considerado ilícito pelo art. 187 do Código Civil. Por isso, são proibidas”.
No que diz respeito ao fornecimento de produto ou serviço não solicitado (39, III, CDC), o autor destaca o seguinte:
“O exemplo mais comum e abusivo é o envio de cartão de crédito não solicitado, sendo constantes os casos levados à Justiça em que o consumidor não só foi cobrado indevidamente, como ainda teve o seu nome lançado no rol de inadimplentes.”
A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o envio de cartão de crédito aos consumidores, assim como de qualquer produto, sem solicitação, constitui prática abusiva, pois viola o disposto no art. 39, III do CDC. Dessa forma, comete ato ilícito a instituição de crédito que envia cartão para o endereço do consumidor sem que este tenha solicitado previamente.
Veja-se que o artigo 39 do CDC tutela o consumidor contra práticas comerciais no período pré-contratual, evitando a ocorrência de abuso de direito na atuação dos fornecedores na relação consumerista com esse tipo de prática comercial, absolutamente contrária à boa-fé objetiva. [2]
Sendo assim, para fins da caracterização da prática comercial abusiva pelo envio de cartão ao consumidor sem solicitação prévia, é irrelevante que o cartão tenha sido entregue com a função de crédito desativada ou que se trate de cartão de função múltipla. Vale dizer: se o pedido do consumidor se restringiu a um cartão de débito, mas veio o múltiplo, ou com a função de crédito bloqueada, estará configurada a prática de ato ilícito por parte da instituição financeira. [3]  
Cabe então indagar: cabe indenização por danos morais quando a instituição financeira, não obstante a ausência de contratação dos serviços, envia cartão de crédito e faturas de cobrança da respectiva anuidade ao consumidor?
Conforme esclareceu o ilustre Ministro Sidnei Beneti:[4]
“A propósito do dano moral, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que a responsabilidade do agente decorre da comprovação do ato ilícito, sendo desnecessária a comprovação do dano em si. Mas esse entendimento não diz respeito a qualquer ato ilícito, esse ato tem que ser objetivamente capaz de acarretar a dor, o sofrimento, a lesão aos sentimentos íntimos, juridicamente protegidos.
Ou seja, para se presumir o dano moral pela simples comprovação do fato, esse fato tem que ter a capacidade de causar dano, o que se apura por um juízo de experiência. Daí porque é presumido o dano moral em casos de inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito, ou de recusa indevida de cobertura por plano de saúde.
No caso, o envio de cartão de crédito não solicitado é conduta considerada pelo Código de Defesa do Consumidor como prática abusiva (art. 39, III). Esse fato e os incômodos decorrentes das providências notoriamente dificultosas para o cancelamento significam sofrimento moral de monta, mormente em se tratando de pessoa de idade avançada, próxima dos cem anos de idade à época dos fatos, circunstância que agrava o sofrimento moral.”
Acrescente-se a ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque a simples remessa do cartão de crédito, à míngua de requerimento, já configura ato ilícito indenizável, pois o é dano in re ipsa – isto é, presumido.[5]
Nessa linha, conforme explicou a ilustre Ministra Castro Meira: [6]                  
“O envio de cartão de crédito, sem prévia solicitação, é prática comercial a ser por si só repudiada, não podendo ser considerada como mera propaganda agressiva. Assim, vetar tal procedimento é o modo de amparar e proteger o consumidor de reais consequências danosas que acarreta, diga-se, de modo reiterado, como o constrangimento de receber a cobrança de despesas não realizadas, anuidades, seguros e o envio do nome daquele a banco de dados de inadimplentes.  É por isso que não há como adotar o entendimento de que somente haverá violação ao artigo 39, III, do CPC quando o hipossuficiente da relação de consumo tiver passado por uma destas tormentosas situações [...]".
É importante registrar que, mesmo na hipótese do consumidor optar por permanecer com o cartão não solicitado, permanece configurada a prática de ato ilícito por parte da instituição financeira. Conforme explica Rizzatto Nunes “se um consumidor qualquer ficar satisfeito por ter recebido em casa um cartão de crédito sem ter pedido, essa concreta aceitação sua não elide a abusividade da prática (que está expressamente prevista no inciso III do art. 39). A lei tacha a prática de abusiva, portanto, sem que, necessariamente, seja preciso constatar algum dano real”. [7]
Por fim, vale observar que o envio de cartão de crédito sem solicitação prévia também implica na condenação da instituição financeira ao pagamento multa administrativa imputada pelos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 56, I, do CDC. Conforme determina o artigo 57, caput, do CDC a pena de multa deverá ser "graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor”. Verbis:
CDC. Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa;
CDC. Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.          
A respeito da imputação de multa administrativa, o eminente Ministro Mauro Campbell Marques assim expôs: [8]
“Salienta-se que a multa aqui aplicada diz respeito à infração às normas de defesa do consumidor - aqui entendido em seu sentido amplo que se refere à coletividade de pessoas descrita no art. 2º, parágrafo único do CDC - e não o desrespeito a cláusula contratual inter partes. Nesse sentido, por ser de potencialidade lesiva mais ampla, entendo que os valores fixados devem ter parâmetros mais específicos do que aqueles levados em consideração tratando-se de danos individuais.
Tanto é assim que os valores arrecadados pelo PROCON não se revertem para a parte individualmente lesada, mas sim à coletividade em geral, vez que se revertem em entradas orçamentárias que serão utilizadas no aperfeiçoamento da proteção dos interesses difusos e coletivos envolvidos”.
Por fim, trazemos à colação alguns julgados importantes a respeito da matéria em exame:
"[...] 1. O envio de cartão de crédito sem solicitação prévia configura prática comercial abusiva, dando ensejo à responsabilização civil por dano moral. Precedentes. 2. A ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque o dano, nessa hipótese, é presumido. 3. Restabelecido o quantum indenizatório fixado na sentença, por mostrar-se adequado e conforme os parâmetros estabelecidos pelo STJ para casos semelhantes. [...]". STJ – AgAREsp 275047 RJ, Rel. Ministra MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, Julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014.
 1. O envio de cartão de crédito sem solicitação prévia configura prática comercial abusiva, dando ensejo à responsabilização civil por dano moral. Precedentes. 2. A ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque o dano, nessa hipótese, é presumido. 3. Restabelecido o quantum indenizatório fixado na sentença, por mostrar-se adequado e conforme os parâmetros estabelecidos pelo STJ para casos semelhantes. 4. Agravo regimental desprovido.” STJ - AgRg no AREsp 275.047/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 22/04/2014, DJe 29/04/2014).
1. O envio do cartão de crédito, ainda que bloqueado, sem pedido pretérito e expresso do consumidor, caracteriza prática comercial abusiva, violando frontalmente o disposto no artigo 39, III, do Código de Defesa do Consumidor. (...) 3. Quanto ao valor do dano moral indenizável, nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Se o valor arbitrado não destoa da jurisprudência desta Corte, inviável a sua alteração, porque, para tanto, também seria necessário o revolvimento do conteúdo fático probatório dos autos, o que não se coaduna com a via do recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. Destarte, fica mantido o valor da indenização fixado pelo Tribunal de origem.

CONCLUSÃO

O envio de cartão de crédito não solicitado constitui ato ilícito porque viola o art. 39, III, do CDC, dando ensejo à indenização por danos morais, bem como à condenação da instituição financeira ao pagamento multa administrativa imputada pelos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 56, I, do CDC.
Ressalte-se que a ausência de inscrição do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes não afasta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, porque a simples remessa do cartão de crédito, à míngua de requerimento, já configura ato ilícito indenizável, pois o é dano in re ipsa – isto é, presumido.
Na hipótese do consumidor optar por permanecer com o cartão não solicitado, essa sua concreta aceitação não elide a abusividade da prática, que está prevista no inciso III do art. 39 do CDC. Esse tipo de prática comercial constitui abuso de direito do fornecedor na relação consumerista, absolutamente contrária à boa-fé objetiva.

NOTAS

[1] Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor, São Paulo: Atlas, 2010, p. 136, 137.
[2] Cf. STJ - REsp 1261513 SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 04/09/2013 (Citado no Voto do Ministro Paulo de Tarso Sanverino no REsp 1199117 SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanverino, 3ª Turma, DJe 04/03/2013).
[3] Nesse sentido: “(...) Há a abusividade da conduta com o simples envio do cartão de crédito, sem pedido pretérito e expresso do consumidor, independentemente da múltipla função e do bloqueio da função crédito, pois tutelam-se os interesses dos consumidores em fase pré-contratual, evitando a ocorrência de abuso de direito na atuação dos fornecedores na relação consumerista com esse tipo de prática comercial, absolutamente contrária à boa-fé objetiva.  (...)” STJ - REsp 1261513 SP 2011/0069522-9, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 04/09/2013.
[4] Cf. STJ – Voto do Ministro Sidnei Beneti no REsp 1061500 RS, 3ª Turma, DJe 20/11/2008  .
[5] Cf. STJ – Voto do Ministro Marco Buzzi no AgRg no AREsp 275047 RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, DJe 29/04/2014.
[6] Cf. STJ – Voto da Ministra Castro Meira no REsp 1297675 SP, Rel. Ministra Castro Meira, 2ª Turma,, DJe 04/09/2013.
[7] Cf. NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 565.
[8] Cf. STJ – Voto do Ministro Mauro Campbell Marques no REsp 1261513 SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 04/09/2013.
Fonte: Jus

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