Novas regras, que entram em vigor em dezembro, limitam a emissão de documentos a algumas entidades como UNE, Ubes e DCEs para evitar fraudes. Também estabelecem reserva de 40% dos ingressos de cada evento para o benefício. Opiniões se dividem sobre queda de preços
A partir de 1º de dezembro, 40% dos lugares em eventos artísticos, culturais e esportivos serão reservados à meia-entrada para estudantes, jovens de baixa renda e pessoas com deficiência. Até lá, leis municipais e estaduais que tratam do tema seguem valendo. A determinação está no Decreto 8.537/2015, publicado pelo governo no início deste mês para regulamentar a concessão do benefício.
No caso dos estudantes, outra regra nova estabelece que só terá direito a pagar metade do valor da entrada quem tiver a Carteira de Identificação Estudantil (CIE), um documento padronizado e emitido por uma das seguintes entidades: Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e diretórios centrais dos estudantes (DCEs), além de centros e diretórios acadêmicos, de nível médio e superior.
A CIE já está disponível, custa R$ 25 mais o frete e pode ser solicitada pelo site www.documentodoestudante.com.br/.
— Se não fosse pela meia-entrada, não teria ido ao Rock in Rio e a vários outros eventos — contou o brasiliense Lucas Henrique da Cruz, 20 anos.
No dia 19 de setembro, ele esteve no Rio de Janeiro, com amigos, para assistir aos shows da banda britânica Queen e de outros grupos. Cruz comprovou a condição de estudante de Arquivologia na UnB com a carteira emitida pela própria universidade e desembolsou R$ 175, metade do valor do ingresso.
Mas se ainda estiver na faculdade e quiser assistir à próxima edição do festival, prevista para 2017, ele terá que solicitar uma carteira estudantil padronizada por uma das instituições cadastradas.
De acordo com a presidente da UNE, Carina Vitral, a falsificação das carteiras de estudante e o completo descontrole do acesso à meia-entrada fez com que os produtores culturais aumentassem o preço dos ingressos. Ela acredita que, após a regulamentação, não haverá espaço para as irregularidades no acesso à meia. Para a dirigente estudantil, as distorções se proliferaram principalmente a partir Medida Provisória 2.208/2001, que permitiu a qualquer associação, empresa ou organização emitir carteirinhas.
— A MP 2.208/2001 foi editada sob o argumento de democratizar o acesso à meia-entrada. Contudo, o descontrole na emissão e a proliferação de entidades e instituições de ensino fantasmas, além de inúmeras denúncias de fraudes e falsificações, fizeram com que a carteira de estudante perdesse a sua credibilidade. Na prática, os estabelecimentos passaram a vender a meia a preço de inteira e a inteira com preço dobrado — afirmou
Com a regulamentação, entidades que emitirem carteiras de maneira irregular ou fraudulenta estarão sujeitas a multa, suspensão temporária ou definitiva da autorização para conceder o documento.
Com a regulamentação, entidades que emitirem carteiras de maneira irregular ou fraudulenta estarão sujeitas a multa e suspensão temporária ou definitiva da autorização para conceder o documento.
Para evitar falsificações, UNE, Ubes e ANPG investiram na confecção da carteira. Ela tem certificação digital e elementos de segurança como tinta invisível, efeito degradê, tarja magnética e QR Code. Tudo para evitar cópias.
A criação de banco de dados nacional formado por todos que tenham direito à meia-entrada também ajudará a reduzir as fraudes, garante a presidente da UNE. Por meio dele, o produtor poderá verificar se a pessoa está matriculada em alguma escola ou universidade.
Identidade Jovem
Pessoas com deficiência terão de mostrar, na hora de comprar o ingresso, o cartão de Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social ou o do INSS. Ao acompanhante também se aplica o direito ao desconto.
Eles deverão apresentar a Identidade Jovem, que será emitida pelo governo até 31 de março de 2016, de acordo com a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ). Até lá, comprar ingressos mais baratos vai depender dos estabelecimentos culturais e esportivos.
De acordo com o órgão, “assim que o agente operador da Identidade Jovem for contratado, a secretaria divulgará os requisitos para a solicitação do documento de identificação".
A SNJ, ligada à Secretaria de Governo da Presidência da República, estuda qual será o formato do documento. A ideia é que a maior parte das carteirinhas seja disponibilizada virtualmente, por meio de aplicativos para smartphones ou imagens geradas por site específico. Para os que não têm acesso a internet ou a aparelhos eletrônicos, será emitido documento físico.
Com o documento, os jovens de baixa renda também terão direito a duas vagas em cada ônibus, trem ou embarcação do serviço convencional de transporte interestadual de passageiros, além de dois lugares com desconto de 50% nas passagens a serem usadas depois de esgotadas as vagas gratuitas.
Queda no preço do ingresso não é certeza
Durante audiência no Senado em julho, antes da regulamentação da meia-entrada, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, classificou de hipocrisia a venda de ingressos mais baratos em espetáculos culturais, uma vez que, a rigor, o benefício tem o preço de uma inteira no país. Ele disse ser favorável à meia-entrada para estudantes e aposentados, por considerar esse um direito que propicia a inclusão social, mas invocou a máxima econômica segundo a qual “não existe jantar de graça”
— Se você pende para um dos dois lados, eliminar o direito, que seria um erro, ou eliminar a viabilização econômica do espetáculo, a gente não vai sair do lugar — disse na ocasião.
De acordo com produtores, não existem eventos produzidos com a metade da bilheteria. A categoria estima vender em média 70% da bilheteria por metade do valor. É comum que o público pagante de meia-entrada corresponda a 9 de cada 10 pessoas em peças de teatro, conforme Odilon Wagner, ator e presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes (APTI).
— A meia-entrada, como funcionou até agora, representa um imposto de 50% sobre os produtos culturais. E, importante frisar, não é subsidiada pelo governo. Quem arca com esses custos são os produtores. Eles são obrigados a subir o valor da inteira e, consequentemente, da meia-entrada — admitiu.
Para o presidente da APTI, a regulamentação abre caminho para a redução do preço de ingressos
Opinião semelhante é compartilhada pela presidente da UNE, Carina Vitral. Para ela, a existência de um único padrão nacional da carteira de estudante e a previsibilidade da arrecadação na bilheteria por meio do estabelecimento de um piso mínimo de 40% de meia-entrada devolverá o benefício da meia-entrada a quem de fato tem direito.
— A soma dos dois fatores pode, sim, vir a fazer com que o preço do ingresso fique mais acessível, mesmo mantendo o ticket médio do promotor de eventos — disse
Subsídio
Mas a queda dos preços não é garantida. Pelo menos é o que avalia o produtor cultural João Lucas Ribeiro, diretor do Festival Vaca Amarela, realizado anualmente em Goiânia. Para ele, a meia-entrada é ilusão.
— A conta dessa medida deva ser paga pelo governo, subsidiada. Mesmo sendo de 40 % [a cota], esse déficit na bilheteria tem que ser repassado ao público — afirmou.
Recém-formada pela UnB, a arquivista Ester Eiko, 22 anos, está na expectativa pela queda de preços. Ela contou que usufruiu bastante da meia-entrada, mas, desde que concluiu a graduação, passou a frequentar menos espetáculos em razão do preço.
— Para os que não possuem nenhum tipo de benefício e pagam o valor integral das entradas, que por muitas vezes é bem elevado em Brasília, pode ser uma boa oportunidade.
Estresse
Assim como Ester, o estudante universitário Lucas Henrique da Cruz também está preocupado com o ponto da regulamentação que trata do prazo de reserva da meia-entrada.
Conforme o decreto, além da limitação da meia-entrada a 40% do total de ingressos, eles só estarão reservados a partir do início das vendas até 48 horas antes de cada evento, com disponibilidade em todos os pontos de venda
Para públicos acima de 10 mil pessoas, a reserva da meia-entrada será até 72 horas antes do evento
A Associação de Consumidores Proteste avalia que será mais difícil usufruir da meia-entrada.
— Se não for com antecedência aos pontos de venda, não será garantido o ingresso pela metade do preço cobrado para a venda ao público em geral — aponta a associação.
Nos eventos esportivos, avalia a Proteste, há o risco de não se obter a meia-entrada. Isso porque na regulamentação é estabelecido que o benefício da meia-entrada não é cumulativo com outras vantagens, como a aquisição de ingresso por associado de entidade de prática desportiva, como sócio torcedor ou equivalente.
— Acho que o momento de lazer pode se tornar de estresse — avaliou a arquivista Ester.
Estatuto garante metade do valor para maiores de 60
Para os idosos, nada vai mudar. Basta que apresentem documento de identidade que comprove a idade para que desfrutem da meia-entrada, pois é o que garante o Estatuto do Idoso.
Esse é o entendimento de Paulo Paim (PT-RS). Autor do estatuto, o senador foi contra a inclusão dos idosos no percentual de 40%, por considerar que a medida causaria uma disputa por ingressos vendidos pela metade do preço. Ele disse que, conforme o projeto que deu origem à Lei da Meia-Entrada (Lei 12.933/2013), os maiores de 60 anos não entram na conta dos 40% reservados.
Quando sancionou a lei, a presidente Dilma Rousseff também vetou uma menção a idosos no texto, que estabelecia que eles deveriam apresentar documento de identidade oficial para obter o benefício.
Mas o presidente da Associação de Produtores Teatrais Independentes, Odilon Wagner, entende que os idosos devem ser incluídos na cota de 40%.
— Eles estão dentro da Lei da Meia-Entrada. O que causa a desinformação é que os idosos não aparecem na regulamentação porque não há o que regulamentar no caso deles. É só apresentar a carteira de identidade nas bilheterias — opinou.
Procon promete fiscalizar cumprimento da nova regra
O decreto de regulamentação determina que as bilheterias, físicas ou on-line, terão de avisar “de forma clara, precisa e ostensiva” quantos ingressos estão à venda no total, qual a proporção exata de meias-entradas e quando os ingressos se esgotam. Caso isso não seja explicitado, o consumidor poderá exigir pagar meia.
Estabelece ainda que os promotores apresentem relatório de vendas dos ingressos comercializados com meia-entrada. Se um estabelecimento não conceder desconto, poderá receber sanções administrativas que incluem, entre outras, multa e possível suspensão de alvará de funcionamento.
Mas como garantir que a lei está sendo cumprida? É aí que entram os órgãos de defesa do consumidor. A tarefa promete ser árdua. Em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, diversos eventos culturais e esportivos costumam acontecer simultaneamente.
O diretor-geral do Procon-DF, Paulo Marcio Sampaio, admite que o órgão não conta com funcionários suficientes para fiscalizar todos os palcos de Brasília e das cidades-satélites. Por isso, disse, é fundamental que a população ajude a fiscalizar
Além de apurar as denúncias de consumidores que se sentirem lesados, o Procon-DF promete ações pontuais de fiscalização em estabelecimentos culturais, bares e restaurantes submetidos à Lei da Meia-Entrada
A presidente da UNE, Carina Vitral, disse que os estudantes farão blitze em todo o país para acompanhar o cumprimento da lei:
— E quem estiver burlando a legislação será denunciado — garantiu Carina.
Lei foi aprovada em 2013 após ampla negociação
Publicado em 6 de outubro, quase dois anos após a sanção da lei, o Decreto 8.537 encerra um debate iniciado em abril de 2007, quando os então senadores Eduardo Azeredo e Flávio Arns apresentaram o Projeto de Lei 188.
O texto previa o benefício apenas para estudantes e idosos com mais de 60 anos. Posteriormente, deputados incluíram as pessoas com deficiência e os jovens de baixa renda de 15 a 29 anos.
Quando voltou ao Senado, o então senador Vital do Rêgo foi relator. Segundo ele, a aprovação só foi possível após ampla negociação entre lideranças partidárias e representantes de grupos estudantis, do setor cultural e de grupos de defesa dos idosos.
Fonte: Agencia Senado
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Palavras ofensivas sujeitas a sanções jurídicas.